
Austero e fero Douro, que ora vemos,
És — como o Furness que o poeta apouca —
Torrente de água em correria rouca,
Levando-nos ao mar em que morremos.
Teu ronco invoca a nossa vida louca,
Imagem deste cais a que chegamos,
E exaustos da viagem enfim notamos
Que Lisboa nos fez orelha mouca.
Estou deitado na margem ao teu lado
Ó Deusa achada em capa de revista,
E passo a mão em gesto imaginado
P’la tua coxa apenas entrevista.
Mas és água e um [mau] soneto usado
Por um manga d’alpaca narcisista.
(Desidério Peixoto, Pinhão, 25 de Dezembro de 2020)