O iaque louco

yak

Estou a vê-los mungir o último leite que vão tirar de mim.
Estão à espera que eu morra;
Querem fazer botões dos meus ossos.
Onde estão as minhas irmãs e os meus irmãos?
Aquele monge alto ali, o que está a carregar o meu tio, tem um boné novo.
E o estudante idiota dele – nunca vi esse cachecol antes.
Pobre tio, como os deixa carregá-lo.
Como está triste, e tão cansado!
Pergunto-me que farão eles com os seus ossos?
E aquela cauda magnífica!
Quantos atacadores de sapatos ela vai dar!

Gregory Corso

Transformação & Fuga [Gregory Corso]

1.
Cheguei ao céu e era de xarope.
Era opressivamente doce.
Substâncias rangentes colavam-se-me aos joelhos.
De entre todas elas São Miguel era a mais pegajosa.
Peguei nele e colei-o na cabeça.
Deus, descobri eu, era um gigantesco papel mata-moscas.
Mantive-me longe dele.
Fui a todo o lado onde cheirava a chocolate queimado.
Entretanto São Miguel ocupava a sua espada
A desbastar o meu cabelo.
Vi Dante nu de pé numa poça de mel.
Ursos lambiam-lhe as coxas.
Peguei na espada de São Miguel
E rasguei-me a mim próprio num grande adesivo circular.
O meu torso caiu sobre um equilíbrio elástico.
Como que disparado por uma fisga
O meu torso zumbiu até ao mata-moscas de Deus.
As minhas pernas mergulharam numa qualquer mistela inimaginável.
A minha cabeça, embora carregada com o peso de São Miguel,
Não caiu.
Fitas finas de uma goma de várias cores
Suspenderam-na.
O meu espírito parou junto ao meu torso cortado.
Puxei, empurrei, girei-o da esquerda para a direita!
Gemeu, amoleceu, não podia libertar-se!
A luta de uma Eternidade!
Uma Eternidade de puxões! De empurrões!
Voltei à minha cabeça,
São Miguel tinha sugado o meu pote das migas!
O Crânio!
O meu crânio!
O único crânio no Céu!
Fui-me às minhas pernas.
São Pedro estava a polir as sandálias com os meus joelhos!
Lancei-me sobre ele!
Bati-lhe na cara com açúcar mel marmelada!
Fugi com as pernas debaixo dos braços!
A polícia do céu perseguia-me de perto!
Escondi-me na mistela de São Francisco.
Mal respirando no confessionário da sua gentilidade
Chorei, acariciando as minhas pernas cheias de medo.

2.
Apanharam-me.
Levaram-me as pernas.
Sentenciaram-me no firmamento de um asno.
A prisão de uma Eternidade!
Uma Eternidade de trabalhos! De zurradas!
Carregado com os trapos húmidos dos santos
planeei a fuga.
Levando às ânforas a sua carga diária
planeei a fuga.
Planeei subir impossíveis montanhas.
Planeei sob o chicote da Virgem.
Planeei ao som da alegria celestial.
Planeei ao som da terra,
ao choro das crianças,
aos grunhidos dos homens,
ao baque dos caixões.
Planeei a fuga.
Deus estava ocupado balançando as esferas de uma mão para a outra.
Era a hora.
Quebrei as minhas mandíbulas.
Parti as minhas pernas.
Atirei-me de barriga sobre o arado
sobre o ancinho
sobre a foice.
O meu espírito escorreu pelas feridas.
Um espírito todo encharcado.
Ressurgi da carcaça do meu tormento.
Parei no limiar do céu.
E juro que o Grande Território tremeu
quando caí, livre.

GREGORY NUNZIO CORSO (1930-2001)
Corso