O que é o socialismo?

Já apresentámos, há algum tempo atrás, um texto do filósofo polaco Leszek Kolakowski. Cabe hoje a vez de um panfleto que ele redigiu em 1956 para um jornal estudantil de Varsóvia, e cuja publicação foi barrada pelo censor. Afixado a seguir num mural da Universidade de Varsóvia, foi prontamente confiscado pelas autoridades, tendo circulado posteriormente em cópias clandestinas. O escrito, intitulado O que é o socialismo?, data da fase revisionista do autor, na qual já se consumara a ruptura com o comunismo soviético, mas não ainda a separação da tradição filosófica de que esse comunismo oficial se reclamava.

A presente tradução portuguesa é feita a partir da edição norte-americana, publicada por Agniezska Kolakowska, sua filha, em “Leszek Kolakowski, Is God Happy? Selected Essays, Basic Books, 2013, pp. 20-24.”


 

Is God Happy?

O QUE É O SOCIALISMO?

Pretendemos dizer-vos o que é o socialismo. Mas primeiro temos de vos dizer o que não é — e as nossas ideias sobre este assunto foram outrora muito diferentes do que são actualmente.

Eis, então, o que o socialismo não é: Continuar a ler

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Um texto de Leszek Kolakowski

Um texto de Leszek Kolakowski

A estória que se segue encontra-se no livro do filósofo polaco Leszek Kolakowski: Tales from the Kingdom of Lailolia and The Key to Heaven (The University of Chicago Press, 1972, pp. 106-111), e do qual já apresentei em tempos umas páginas aqui. Qualquer coisa me sugere que esta descrição da cidade de Sodoma vai crescer em relevância nas próximas décadas. Quem serão, de onde virão e que mensagem trarão a Lot, então, os mensageiros de Jeová?

[Como sempre, a tradução é minha. Os erros e a inelegância da coisa são, portanto, da minha inteira responsabilidade.]

 

A MULHER DE LOT, OU O APELO DO PASSADO

Investigações recentes dos Professores Zimmerman e Nagel mostram que o chamado pecado de Sodoma não passou de um conto de fadas urdido pelos inimigos dessa cidade, com o objectivo de a apresentarem como desprezível. De facto não há nenhuma referência clara a esse pecado nas Escrituras. As verdadeiras causas do conflito dos Sodomitas com os poderes mais altos foram muito diferentes. Os sodomitas adoptaram o ponto de vista de que todos os homens seriam livres e iguais e teriam um direito inviolável à vida; e produziram leis que decretavam a liberdade universal, a igualdade e a abolição da pena de morte.

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Deus, ou as Contradições entre os Motivos e as Consequências da Acção Humana

Deus, ou as Contradições entre os Motivos e as Consequências da Acção Humana

Leszek Kolakovski  (1927-2009) foi um interessante filósofo polaco, autor, entre muitas outras obras de análise e de crítica políticas, de um conjunto de estórias edificantes sobre a Bíblia judaica e traduzidas em inglês com o título The Key to Heaven. É no início dessa obra que se encontra o texto seguinte, o qual me veio à memória por causa do post anterior deste blogue.

Não há, de facto, qualquer razão para culparmos Deus pela condição negativa e secundária da nossa existência.

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Deus criou o mundo para sua própria glória. Este é um facto indiscutível, e é, além disso, perfeitamente compreensível. Uma grandeza que ninguém pode ver está condenada a sentir-se mal consigo própria. De facto, nestas circunstâncias, ninguém sente vontade de ser grande. A grandeza seria sem objecto, não serviria a nenhum propósito. Não há qualquer vantagem em ser-se grande dentro de uma solidão infinita e eterna. Na solidão total, preferimos pecar e entregar-nos a todas as nossas devassidões, sem sermos perturbados — mas, neste caso, não haveria pecado. De facto, em que é que consistiria o pecado de um indivíduo completa e irremediavelmente isolado? Por consequência, a diferença entre um pecador e um santo, se cada um vive totalmente só no mundo, é zero.

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