O INIMIGO PERFEITO

O Covid-19 é o evento ideal. Inventado, não teria sido mais perfeito. Moralmente é irrespondível. Não queres obedecer porque tens, dizes, o gosto da antiga liberdade? Porque te dizes senhor do teu destino? Dono do teu risco? Se quiseres sê-lo, sê-o, nós não te obrigamos, mas lembra-te, criança, que o que fazes não termina em ti, afecta os outros, sobretudo os velhos e os doentes, os que são mais frágeis. Se não obedeceres, serão os outros a pagar. E a tua rebeldia será marcada pelo opróbrio. Ficará presa à tua pele, muito mais do que a máscara que, insolente, te recusaste a colocar.

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Viva o 25 de Abril!

Quero aproveitar este dia que hoje se comemora para prestar homenagem a uma série de heróis que fizeram do 25 de Abril de 1974 uma data especial para o nosso país. Em especial, presto a minha homenagem a:

(1) todos os oficiais, sargentos e praças que se dirigiram a Lisboa nessa madrugada para derrubar um regime político odioso, acreditando que iam devolver a liberdade aos portugueses, a liberdade no seu sentido mais imediato e genuíno, e que consiste em:

– poder conservar como seu o que é produto do seu esforço pessoal ou de uma herança ou dádiva de outrem;
– poder realizar sem impedimentos os seus sonhos e projectos pessoais, sejam estes os de criar empresas ou de trabalhar para outros mediante um salário livremente contratado;
– poder enriquecer ou ser pobre sem ter de dar explicações;
– poder viver numa sociedade em que a lei se aplica a todos, sem distinções de qualquer espécie, e onde existe o primado absoluto da contratualização;
– poder pegar em armas ou não pegar em armas para defender os seus e o que é seu, incluindo a sua comunidade ou pátria, ou recusar-se a fazê-lo se acha que isso é injusto ou iníquo;
– poder ter a religião que deseja ou em que acredita ou não ter religião nenhuma;
–  poder pensar o que lhe apetece, sem condicionamentos doutrinários ou ideológicos, e exprimir o que pensa sem ser obrigado a calar-se sob pena de encarceramento ou morte;
– poder ser democrata, libertário, comunista ou fascista, e organizar-se em associações de todo o tipo, sem ter de pedir licença para isso;
– poder votar livremente ou não votar;
– poder ser autónomo em energia e alimentação, sem ter de depender de estruturas societais ou pagar taxas por serviços que  não usa e não pediu;
– poder fazer com o seu corpo e a sua mente o que deseja, desde que isso não comprometa a esfera de liberdade similar dos outros;
– poder viver sem ter de dar qualquer satisfação aos outros pelas suas opções, e sem ter de se sentir culpado por isso;
– poder comer e beber o que quiser, mesmo que isso lhe faça mal, incluindo embebedar-se ou drogar-se, desde que isso não comprometa a segurança dos outros;
– poder morrer ou dispor da sua vida, terminando-a se esse é o seu desejo, sem ser acusado de nenhum crime;

– poder ser sábio ou ignorante, alfabetizado ou analfabeto, boa ou má pessoa, sociável ou misógino, hetero ou homossexual, simpático ou antipático, altruísta ou egoísta, contribuinte ou não-contribuinte;

(2) todos os oficiais, sargentos e praças que não se dirigiram a Lisboa nesse dia, em especial aos oficiais, sargentos e praças da GNR, que poderiam ter resistido e provocado um banho de sangue e que, pela sua abdicação, mostraram um sentido cívico e uma estatura moral digna de todos os elogios;

(3) todos os portugueses que, antes do 25 de Abril, combateram pela realização da verdadeira liberdade em Portugal, e que pagaram pelas suas crenças e pelas suas acções com o encarceramento e a tortura nas prisões do regime derrubado;

(4) todos os portugueses que se viram constrangidos nos actos e pensamentos durante os quarenta e seis anos do regime derrubado, em especial os milhões que tiveram de emigrar e deixar os seus entes queridos para prosseguir os seus sonhos de prosperidade e de liberdade e evitar a miséria material e espiritual, incluindo os que foram para África e aí tentaram reconstruir a suas vidas;

(5) todos os portugueses vítimas das guerras coloniais, em especial os portugueses brancos que foram chacinados na guerra, as populações negras que morreram para recuperar a sua independência e proteger os que lutavam por ela e os militares que chacinaram os negros e nunca recuperaram do trauma de o terem feito;

(6) todos os seres humanos que, desde o século XVI, em certas partes da Europa e da América, dedicaram a sua vida à causa da razão e da liberdade, em especial os cientistas, técnicos, inventores e filósofos que fizeram a verdadeira e irrevogável Revolução, a única que não perece e devora os seus próprios filhos: a das Luzes e da Liberdade incondicionada.

Finalmente, presto a minha homenagem a todos os meus contemporâneos, que tendo vivido antes, durante e depois do 25 de Abril em Portugal, e passado por tudo isto, nunca esmoreceram na sua convicção de que a liberdade é possível e nunca cederam à tentação de abdicar dessa crença em nome das conveniências pessoais, do conforto ideológico ou do cinismo. E que, last but not least, nunca precisaram de levantar, durante todo esse tempo, um punho fechado e gritar: ‘morte a…!’ para se sentirem realizados.

A estes últimos, em especial, eu digo: Viva o 25 de Abril!

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