Eis as entradas 6 a 9 do Caderno de Notas de Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke. Descrevem a morte do avô de Malte e de outra gente variegada. E têm dentro, como grãos no âmago de um fruto, certas pequenas coisas, como galgos e mulheres grávidas. Apreciem.
——————————————
(6) Tenho medo. Mal o medo chegue, é preciso fazer algo contra ele. Seria muito mau adoecer aqui, e se ocorresse a alguém levar-me para o Hôtel-Dieu, eu certamente morreria. O Hôtel é agradável, muito popular. É quase impossível contemplar a fachada da catedral de Paris sem correr o risco de se ser atropelado por um dos muitos veículos que atravessam, rápidos, a ampla praça que conduz ao Hôtel. Estes pequenos coches estridulam sem cessar, e até o duque de Sagan teria de mandar parar o seu se se metesse na cabeça de um desses pequenos moribundos dever ir imediatamente ao Hôtel do Bom Deus. Os moribundos são teimosos, e Paris inteira pára quando madame Legrand, a brocanteuse da Rue des Martyrs, se dirige a esta praça da Cité. É de notar que estes pequenos veículos diabólicos têm janelas de vidro fosco invulgarmente sugestivas, atrás das quais podemos imaginar as mais esplêndidas agonias; basta para isso a fantasia de uma concierge. Caso se tenha mais imaginação, e ela se desenvolva por outras direcções, as conjecturas são praticamente infinitas. Mas também vi chegarem coches abertos, coches de aluguel com a capota descida e que cobravam a tarifa habitual: dois francos. É o que custa aqui a hora da morte.