Um conto de Tolstoi

Em 1905 Lev Tolstoi escreveu um pequeno conto, a que deu o nome de Aliocha Pote (Alesha Gorshok), baseado, ao que se diz, na figura de um criado da sua propriedade de Yasnaya Polyana. Aliocha, que nunca aprendera, por falta de capacidade e de tempo, a ler, e cujo horizonte vital não ultrapassará a do seu entorno imediato, personifica uma posição face à existência que é um ideal de Tolstoi na última fase da sua carreira como escritor e como pensador: um modo de ser radicalmente cristão, desprovido de qualquer egocentrismo. As crianças riem-se de Aliocha, Aliocha ri-se de si próprio e tudo está bem. Está bem aqui e estará bem .

A tradução deste conto baseia-se na de António Pescada, in Os Últimos Escritos (Relógio d’Água, Lisboa, 2018), com algumas alterações aqui e ali. Espero que gostem.

Tolstoi, Lev (1936) - Obras Completas. Tomo 36 (em russo) página 68

Fac-símile da primeira página manuscrita de Aliocha Pote (1905).

 

ALIOCHA POTE

Aliocha era o mais novo dos irmãos. Chamaram-lhe Pote porque uma vez a mãe mandou-o levar um pote de leite à mulher do diácono, e ele tropeçou e quebrou o pote. A mãe bateu-lhe e as crianças começaram a arreliá-lo com o “pote”. “Aliocha Pote,” passou a ser a sua alcunha.

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Igor Shafarevich – O Fenómeno Socialista

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Igor Shafarevich (1923-2017) foi um matemático e filósofo russo, e uma figura destacada do movimento de contestação ao comunismo soviético. Participando, ao lado de Soljenítsin, Sakharov, Yanov e outros, no movimento Samizdat, Shafarevich é sobretudo conhecido, para além das suas obras de matemática, por dois importantes ensaios de filosofia política: Russofobia, em que procurou analisar o ódio à Rússia por parte dos intelectuais russos que procuravam a modernização do país, e entre os quais se encontravam muitos dos seus companheiros da Samizdat, e O Socialismo como Fenómeno da História Mundial, uma tentativa de compreender a essência do socialismo, não apenas na sua encarnação mais recente, a da União Soviética marxista, mas ao longo da História. Esta essência encontra-a Shafarevich na “pulsão da morte”, no desejo de aniquilação do humano que está presente no pensamento e na praxis de algumas das mais destacadas figuras da história política e intelectual da humanidade e que, segundo ele, anima igualmente, ainda que de uma forma subterrânea e inconsciente, as multidões que o entusiasmo revolucionário acomete periodicamente. No caso do fenómeno socialista propriamente dito, esta “pulsão da morte” manifesta-se especificamente na vontade de destruir a individualidade humana. O indivíduo é, enquanto lugar do Ser e da liberdade a que o Ser obriga, o grande obstáculo à realização do Nada, e portanto, o obstáculo que deve ser eliminado para se extinguir o sofrimento e a dor da existência. Tal é a pretensão do Socialismo. E tal é a sua essência.

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